sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Nublado

Um velho atravessa a rua e com muito custo chega a calçada com segurança. Ver aquilo do outro lado da rua foi agonizante e cheguei até a me culpar por me faltar a gentileza de oferecer ajuda. Continuei a seguir o senhor, e sem querer me via daquela maneira como daqui a algumas décadas. A coluna curva e os passos lentos eram possivelmente reflexos de uma vida sofrida e dura. Sem muita audácia pra conversar com ele passei a segui-lo com mais distância e cautela pra que não se sentisse ameaçado e criei hipóteses de como teria sido a vida daquele homem, quais eram seus sonhos e o que passava dentro da cabeça dele naquele momento. O simples fato de ter uma cara bem serena e os cabelos já bem brancos me induzia a pensar apenas coisas boas daquele velho, que me chamou a atenção nem sei mesmo o motivo. Já bastante cansado ele sentou num banco da praça bem próximo ao meu destino, e como o tempo não me faltava parei pra analisá-lo bem como um biólogo avalia o comportamento de um animal silvestre. Sempre atento a todos os movimentos dele comecei a me simpatizar com a maneira pacifica daquele velhote e fui até ele pra simplesmente conversar de maneira amigável e talvez até contar a ele que eu era um observador da sua pessoa. Cheguei me apresentei e perguntei: “- quem é você?” ele olhou, pensou e continuou calado. Naquele momento nascia um sentimento composto de vergonha e raiva, mas a curiosidade falava mais alto e repeti a pergunta até que ele olhando longe me disse: “- Sou Bolívar Soares, um simples sanguinário sobrevivente da segunda guerra mundial-” eu sempre muito curioso e por adorar casos policiais fiz uma seção de perguntas na qual Bolívar respondeu como que numa entrevista. Após a despedida escorreu no meu rosto uma lágrima de decepção. Bolívar foi um matador de aluguel dos 16 aos 23 anos, após isso foi pra guerra como soldado colaborador da pátria inglesa e matou 26 pessoas por esporte, todo aquele trajeto feito por ele foi uma distração por passar 17 anos detido numa prisão. A cara serena? A coluna curva? Nada. Nada de vida sofrida, nada de passividade apenas uma vida amarga mal descrita por um observador que fez do hoje o sempre sem mesmo saber o ontem. O tempo era nublado.

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